Aos quatro anos veio para Santo André no ABC paulista, seu pai foi metalúrgico. Começou a trabalhar aos 15 anos e fez curso técnico em secretariado, conseguindo assim uma vaga como auxiliar de secretária. Estudou Letras na Fundação Santo André onde atuou como monitora de literatura a partir do 2º semestre do 1º ano até o final do curso. Em 1994, fez concurso para o IMES, e ainda na faculdade descobriu que queria trabalhar na área educacional na parte de gestão; mais tarde estudou Pedagogia. Fez MBA em Gestão de Marketing. No IMES/USCS trabalhou 19 anos na secretaria da diretoria/reitoria e há quatro anos está na secretaria do Lato Sensu. Escreveu um livro com o professor Joaquim Celso Freire em 2004. |
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Pergunta:
Para começar queria que você me falasse nome completo, local e data de nascimento. Por favor.
Resposta:
Debora de Simas Bortoleti, eu [pensativa e confusa]. O local de nascimento você diz?
Pergunta:
Isso.
Resposta:
Eu nasci em Poços de Caldas, Minas Gerais, dia primeiro de dezembro de 1973.
Pergunta:
Poços de Caldas?
Resposta:
Poços de Caldas!
Pergunta:
Fala um pouquinho como que foi essa infância em Poços de Caldas?
Resposta:
Na verdade, foi assim, bem curioso, porque eu só fui para nascer em Minas, eu sou mineira muito por acaso, porque meu pai foi trabalhar lá e a gente passou só quatro anos em Minas. Então, eu sou mineira de nascimento, mas vim muito criança para São Paulo, desde então a gente vive o ABC mesmo, morando em Santo André e agora morando em São Caetano. Então, não tinha, essa referência de ser mineira eu não tenho muito, assim, a não ser pelo gosto de doce de leite e de queijo [risos], eu não tenho essa vivência de Minas mesmo, foi só a família deslocada para trabalho e voltamos e, desde então, a família toda é do ABC, a vida toda no ABC, não tenho essa vivência de lá.
Pergunta:
Você se lembra de alguma coisa ali? Você veio muito cedo, né? Quatro anos.
Resposta:
Eu vim muito cedo, quatro, cinco anos.
Pergunta:
Agora, que ficou ali dos comentários da família, do que sua mãe comenta, assim, como foi essa fase?
Resposta:
Ah foi uma fase muito boa, porque Poços de Caldas na verdade é uma cidade turística, para quem é da década de 1960, minha mãe passou até a lua de mel em Poços de Caldas, tudo, e acabou voltando em 1972, que eu nasci em 1973, ela acabou voltando para lá nessa época. E era uma vivência de turista, praticamente, da época, assim, uma vida muito prosaica, tudo muito simples, todos os conhecidos. Tanto é, é curioso, porque o lugar que eu nasci, exatamente a casa onde a gente viveu, ela faz parte de um espólio de uma mineradora lá, uma situação dessas, que eram uma vila que era reservada para trabalhos, para trabalhadores daquela região. E, até hoje, por conta de família, de disputa de herança, essas coisas, eles não puderam mexer nas casas, então a casa que eu nasci ela está exatamente do jeito que estava quando eu nasci. E aí, quando a minha filha tinha uns quatro, cinco anos também, eu voltei até lá, e eu fiz um book, assim, de fotos com ela, nos lugares que eu fazia quando eu tinha aquela idade, para registrar, porque ela era muito parecidinha comigo também, então a gente voltou na mesma casa, no mesmo parque, e está tudo muito igual, até hoje, são 44 anos e a cidade praticamente parada no tempo, a praça das flores, o teleférico. Tem uma história, assim, muito próxima do meu pai, que ele era operador de aquelas máquinas pesadas, então a prefeitura de Poços de Caldas não tinha esses maquinários e ela emprestou da empresa que, na época, era a Alcoa, que é a termomecânica aqui em São Bernardo, esses maquinários para instalar os pilares do teleférico, então o mesmo teleférico inaugurado naquela época, os três primeiros pilares lá, os mais altos e tal, foi meu pai que participou da instalação e tudo. Então têm essas referências muito carinhosas de família, mas eu vim embora, né? A gente deixou lá, e aí eu voltei, voltei no Cristo, é muito legal voltar na cidade, porque você tem uma referência, assim, é como se eu voltar na escola da infância, você tem umas referências de fotografia e tudo, que você cria em uma memória imaginária, praticamente, e aí você revê, né? O tamanho das coisas, é muito bonitinho, então a gente fez essa viagem quando ela tinha essa idade, foi gostoso reviver, mas é essa referência, são essas memórias de turista, praticamente [risos].
Pergunta:
Que bacana! Você sabe que eu vou para lá agora em julho [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Aí que gostoso!
Pergunta:
E eu vou tirar foto lá na sua casa.
Resposta:
Aí vá. Eu vou te dar o endereço, porque ela está exatamente igual [concomitância de falas].
Pergunta:
Agora eu já fiquei meio assim, se eu vou no teleférico.
Resposta:
[Risos e Tosse]. Olha, o teleférico, inaugurado em 1974, está lá [concomitância de falas].
Pergunta:
E essa mudança para Santo André, qual foi, como foi motivada? [5'].
Resposta:
Não, foi motivada também pelo trabalho do meu pai. Meu pai trabalhava, trabalhou a vida toda na termomecânica, metalúrgico de São Bernardo, passou por todas aquelas fases que a gente viveu aí de história, das greves, do, até do nascimento do Lula, ainda como líder sindical, né? E a gente viveu muito isso presente em casa, essas transformações do ABC a gente viveu bem na pele mesmo, porque ele fazia parte disso. E aí a gente voltou para Santo André, que era a casa original dele, permaneceu lá, depois a gente acabou mudando de casa, mas continuamos em Santo André, e eu vim para São Caetano por causa da USCS na verdade, a USCS foi a minha grande motivação de mudar para São Caetano, porque eu morava em Santo André e quando eu comecei trabalhar na USCS e ter essa vivência de São Caetano, ter a circulação, não só na cidade, mas conhecer as pessoas, quem trabalhava, a administração municipal, tudo, me despertou a vontade de morar perto da USCS, então até hoje eu moro perto da USCS [risos], aqui do Barcelona. Mas eu vim para cá em 2003, morando aqui em São Caetano, então passei a ser parte de São Caetano agora [risos].
Pergunta:
Bom, se em Poços de Caldas você ainda era muito pequena, esse comecinho, essa volta a Santo André já pega o seu desenvolvimento ali, né?
Resposta:
Sim, exato.
Pergunta:
E quais são essas recordações? Tanto de casa, ali do núcleo familiar, quanto realmente de colegas, como foi a sua infância em Santo André?
Resposta:
Sim, é Santo André é assim, a gente, como eu te falei, a gente era de uma família de um metalúrgico, de chão de fábrica, que trabalhava nessa empresa que era termomecânica, que ficou até bem conhecida, depois, na região, uma grande siderúrgica hoje, hoje até administrada pela Fundação Termomecânica, [confusão entre as palavras], uma administração até bem diferente. E a gente _____, estudei em escola pública de Santo André, sempre estudei em escola estadual, depois eu passei a estudar o ensino médio também em Santo André, fui formada na Fundação Santo André, porque eu optei por estudar Letras, no meio da faculdade eu já vim para, já fiz essa opção pela área educacional, eu tinha certeza que eu queria seguir a área educacional, eu já, eu trabalhava na época como, era assistente de vendas de uma outra empresa de autopeças que ficava também em São Bernardo, que era a TRW, depois nós mudamos para Mauá, e no meio da [confusa e pensando], desse processo de estágio, já tinha feito estágio em secretariado, já estava trabalhando como, já tinha até sido efetivada, é que eu optei pela área educacional. E aí surgiu a oportunidade de fazer o concurso, que na época era do IMES, isso em 1994, por aí, eu vim, passei no concurso, e aí a minha certeza que eu queria ir para a área de educação se formalizou, porque eu já estava fazendo o curso de Letras, já queria seguir para a área educacional, ou como professora, ou como, é, na parte de gestão escolar mesmo, era a minha intenção, e aí isso se formalizou. Eu vim para a USCS no meio da faculdade, acabei optando para seguir essa área, depois eu fiz pedagogia, terminei, fiz a área de gestão escolar, segui toda essa parte da área de educação, mais voltada para a gestão mesmo, do que voltada para a área de docência. Cheguei até a lecionar um pouquinho, mas aí não continuei.
Pergunta:
Você falou da TRW [tosse e interrupção da entrevistada].
Resposta:
Isso.
Pergunta:
Como foi essa experiência do início no mercado de trabalho?
Resposta:
Então, naquela época, a gente começava a trabalhar muito mais cedo do que se trabalha hoje, eu comecei a trabalhar com 15 anos de idade, normalmente, a gente começava a trabalhar no ensino técnico, né? Se fazia muito o ensino médio voltado para a área técnica, para você já ter, durante o ensino médio, a opção de emprego como estagiário. Então foi assim que eu comecei, eu fazia o técnico em Secretariado, e já consegui uma vaga como auxiliar, né? Da secretária nessa empresa, que era a TRW [10']. A gente passou por uma grande crise na época, que aí foi de 1990, quando o Collor saqueou todas as poupanças [risos], a empresa demitiu todos os estagiários, aí quando a economia voltou a abrir importação, a fazer toda aquela transformação da década, na era Collor, nós conseguimos voltar para a empresa. E aí passou mais ou menos um ou dois anos de estágio, concluía a ensino médio, eu já fui efetivada como funcionária, então era meio que uma porta de entrada também, para essa área de empregabilidade na época, acho que hoje o que se faz dentro da graduação era o que a gente fazia dentro de ensino técnico, até porque muita gente não conseguia seguir para a graduação, a gente pegou uma era pré-Paulo Renato aí, que abriu a criação das universidades, então a gente não tinha muito esse acesso à universidade, era muito mais difícil, e hoje é uma situação um pouco melhor em relação a esse acesso, porque você tem um número maior de cursos, você tem uma concorrência muito maior, até para nós aqui da USCS, mas naquela época tinha essa dificuldade, então o ensino técnico era essa porta de entrada, depois a gente evoluiu um pouquinho.
Pergunta:
O que o começar a trabalhar, você falou, começou muito cedo, com 15 anos [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Sim.
Pergunta:
O que isso te mudou? [Tosse da entrevistada]. Que transformação, que transformações você sentiu naquele momento?
Resposta:
Eu acho que a responsabilidade mesmo, começou muito cedo, você ter a sua obrigação de cumprir a sua função, de ter responsabilidade de horário, de ter o seu próprio dinheiro para custear os estudos, isso é uma marca da minha geração, a gente trabalhava para poder estudar, para poder custear essa universidade da época e a gente tinha que ter essa obrigação mesmo, não tinha muita saída, assim, não tinha. É o que a gente comenta, as gerações elas vão também mudando, e a minha geração não tinha muito esse apoio que os pais hoje dão para as crianças, que os pais tinham mais disponibilidade até financeira, tinham muito menos disponibilidade financeira [se autocorrigindo]. Tinham muito menos acesso a essas coisas, então a gente não tinha muita ajuda paterna para poder financiar os estudos e tal, a gente tinha que batalhar mesmo, trabalhar, estudar à noite, fazer a nossa parte, então foi assim.
Pergunta:
Você é filha única, né?
Resposta:
Sou filha única.
Pergunta:
Como que era aí, como que eram as amizades, quer dizer, o fato de não ter irmãos, [tosse da entrevistada] tinha um pessoal da escola, tinha um pessoal que morava perto, o que você se lembra dessa [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Dessa fase.
Pergunta:
Dessa socialização aí.
Resposta:
Então, eu comecei a namorar muito cedo, eu namorei dos 16 aos 24 anos com uma pessoa, eu ia me casar nessa época até, já tinha decidido que ia casar com essa pessoa e tal, então essa vivência da adolescência, de sair, de fazer bagunça, estar com os amigos, essas coisas, eu acabei não vivendo. Eu era uma pessoa muito responsável, muito quadradinha nesse sentido, porque eu tinha um namorado, eu namorava sério, aquela coisa de família mesmo, tal, a gente juntava dinheiro para comprar o primeiro imóvel, comprar móveis, eletrodomésticos, essas coisas, porque era uma época difícil de se fazer isso, você não conseguia crediário nas lojas, você não tinha, a gente tinha muita inflação, então tinha que ter outros recursos ali, para você ter aquilo que você queria. E eu acabei terminando esse namoro, assim, muito próximo do casamento, que estava marcado, e eu terminei esse namoro e fui casar novamente, novamente não, mas fui namorar com a intenção de casar, novamente, beirando os 30 anos. Então essa fase de adolescência eu passei muito quietinha, dentro de casa, com o namorado, com a responsabilidade, com tudo.
Pergunta:
E na escola, era uma boa aluna? Como [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Eu era uma boa aluna [risos]. Eu era uma, eu gostava muito de estudar, eu sempre gostei muito de estudar, então independente de eu estar ou não, assim, em um curso formal, eu sempre gostei muito de estar voltada a uma escola, a fazer um curso, a buscar uma situação até de interesse paralelo à área profissional, mas sempre buscando estudar alguma coisa [15']. Então eu não tive dificuldades, grandes dificuldades, com a parte de conteúdo da escola, porque eu gostava de fazer aquilo, gostava de fazer trabalho, gostava muito de ler, de estar envolvida ali naquela atividade educacional, então eu não tinha essa, a escola não era um lugar ruim ou um castigo para mim, eu gostava mesmo de estar lá.
Pergunta:
Como foi, você falou que você sempre gostou muito da área educacional, né?
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Nós estamos em uma universidade, a gente sabe o quanto o aluno, é difícil, esse momento de escolha do curso, as aflições, tal, como foi essa fase para você?
Resposta:
Então, eu também tive essas aflições, eu, na verdade, primeiro curso que eu fiz, fiz [em tom e expressão irônicos], que eu entrei na faculdade mesmo, foi um curso de Psicologia, porque eu fui com uma colega da escola fazer a inscrição para o vestibular, e ela me disse: ‘Você não quer fazer a inscrição também? ', e eu falei: ‘Ah, então tá bom, vou fazer a inscrição também'. Não foi uma escolha consciente, pensada, foi um impulso ali no momento, e eu passei no vestibular, eu fui com ela, fui acompanhá-la no dia e passei. E eu comecei a fazer esse primeiro semestre de Psicologia. E na [interrupção do entrevistador].
Pergunta:
__________ Faculdade?
Resposta:
Na Senador Fláquer, na época, que eu acho que agora já mudou de nome. Mas, a gente nesse primeiro mês, nesse primeiro semestre da universidade, lá da Senador Fláquer, eles juntavam todas as escolas de Educação e Psicologia no mesmo local, então a gente tinha uma matéria de cada área de Educação, e eu era apaixonada por língua portuguesa, não tinha nem sombra de dúvidas do que era minha preferência, eu falei: ‘Ops, eu estou no lugar errado! Eu devo estar na faculdade de Letras, e não na faculdade de Psicologia'. E aí eu fiz a opção por estudar Letras, fiz um novo vestibular, passei para Letras na Fundação Santo André, e os quatro anos de faculdade passaram como um [estralo de dedos da entrevistada], assim, como se fosse um semestre de estudos, porque eu gostava tanto de estudar aquilo, e eu era tão apaixonada por literatura, já no segundo ano da faculdade eu me tornei monitora de literatura, fui monitora até o quarto ano, gostava demais de redação, de estar naquele mundo dos livros ali, então eu, realmente, para mim fui uma coisa, era um grande prazer estudar aquilo. Apesar de ser exigente, de ter lá que ler muitos livros durante um mês, de ter aquela acumulo de coisas para estudar, mas eu gostava, eu achava aquilo muito realizador, assim, então eu gostava. E uma coisa interessante, eu tive muitos livros na faculdade, muitos livros de literatura, de teoria literária e tal, e aqui na USCS a gente não tinha o curso de Letras, né? Então, mas eu achava muito triste aqueles livros estarem na minha casa, eu acho que livro é para ser lido, a gente não guarda livro, a gente tem que fazer os livros serem agentes, assim, apesar da gente ter um apego, assim [gesto indicando apego e tosse em seguida], mas o que que eu fiz, eu guardei os livros queridos, dos amigos que publicavam, né? Guardei os livros de paixão que eu tenho, que eu tenho uma coleção da Lygia Fagundes Telles, e tenho uma coleção da Clarice Lispector, que inclusive, eu tenho uma filha que chama Clarice e não é por acaso. E todos os demais livros eu doei para a USCS, então se vocês um dia encontrarem livros que tenham o meu nome, é porque eles são doações minhas, eu doei acho que, sei lá, 500 livros para a USCS, estão todos aqui na biblioteca, porque eu acho que os livros têm que estar nas bibliotecas, eles não têm que estar fechados na casa de alguém, eles têm que estar vivos e sendo lidos, porque eles nasceram para isso, eles não nasceram para ficar quietinhos em um canto da casa de alguém.
Pergunta:
_______ Poços de Caldas, depois ________.
Resposta:
[Risos]. Tem muita coisa, é de, da parte de, não [confusa]. Os da Lygia eu guardei comigo, porque é engraçado, pensando assim, em escolha de escola, eu acho que a gente tem muito vivo dentro da gente, de alguma forma, essa chama do que a gente vai ser quando crescer, é difícil, porque, às vezes, você faz opções econômicas ou de circunstância, pela sua escolha naquela área, às vezes você quer estudar uma coisa e não pode, por questões financeiras, tudo. Mas eu me lembro de uma historinha, que eu estava na sétima série [20'], eu tinha uma professora de Português chamada Maria Margarida, uma professora maravilhosa que eu tive, durante o ensino fundamental dois, na época era ginásio, e ela, essa professora, por acaso, ela teve um problema de saúde e ela teve que se afastar, e entrou uma substituta, e essa substituta, acho que por não conhecer a turma, e estar ainda nova de docência e tudo, ela exigiu que a gente lesse, durante as férias, um livro da Lygia Fagundes Telles. E era um livro dificílimo para a sétima série, porque era uma literatura pesada, e eu li o livro, eu amei o livro, e eu voltei abraçada depois das férias, que tinha a leitura das férias, eu voltei abraçada com o livro para a escola, e o resto da sala estava assim: ‘Muito difícil, não dá para a gente ler, esse livro ninguém entendeu nada', e tal, porque a gente estava lendo a Série Vagalume da época, não eram livros tão pesados de literatura, assim.
Pergunta:
Qual era o título do livro?
Resposta:
Verão no Aquário. E aí eu esperei a aula acabar, era hora do intervalo, eu abracei esse livro e fui na frente da professora, e cheguei para ela e falei assim: ‘Eu quero saber que faculdade que a gente faz para estudar isso aqui! ' [Apontando para a mão, onde estava o livro], eu falei: ‘Porque isso aqui eu gostei', aí ela olhou para mim, ela até se emocionou, ela falou assim: ‘É Letras! ', eu falei: ‘Ah, é isso aí que eu vou fazer'. Então, um dia, eu vou decidir fazer isso na minha vida, e assim, esse livro é autografado pela Lygia, no fim eu acabei indo no encontro da Lygia, ela autografou, e é muito interessante, porque até hoje ele guarda as marcas, assim, daquele tempo, sabe? Ele tem uma página que tem um café derrubado ali, tem anotações de várias vezes, que eu li esse livro muitas vezes, tem a capa antiga, de edição muito antiga, comprada em sebo já, porque na época também era difícil comprar livro, a gente já comprava livro usado, então tem uma história um pouco longa aí, dessa escolha, né? Que a gente fala. E depois, eu cheguei a ser aluna da USCS, na graduação, fazendo o curso de Direito, eu estudei um semestre aqui também, rapidinho, e também decidi que eu não queria ser advogada, tinha certeza que a minha área não era essa [risos]. Eu gostava muito do curso, dos professores, conhecia muito profundamente o curso, porque já entra uma parte profissional, que a gente, eu trabalhei muito na elaboração do projeto pedagógico do curso da época, então quando o curso foi criado, foi lançado, a gente estava muito contente com essa conquista da USCS poder oferecer o curso de Direito também, e agora, mais recentemente, há quatro anos atrás, eu também fui aluna da USCS novamente, no curso de MBA de Marketing, embora não tinha uma relação direta com o trabalho que eu estava realizando na área educacional, é uma área que eu gosto também bastante, é uma área de comunicação, e a gente acaba também trabalhando indiretamente com isso, a gente tem que oferecer os cursos, a gente tem que estar com essa disposição de comunicar as coisas, e tal, então foi uma área que eu também gostei bastante, mas isso já bem mais tarde, já mais madura, já tendo vivido outras situações. Então, foi mais para frente.
Pergunta:
Você falou da Clarice Lispector.
Resposta:
É.
Pergunta:
Que até [interrupção da entrevistada].
Resposta:
É o nome da minha filha.
Pergunta:
É o nome para a sua filha. Uma curiosidade aqui, que fetiche é esse que a internet tem por Clarice Lispector? [Risos da entrevistada]. Que quando as pessoas escrevem um texto [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Todo mundo!
Pergunta:
Seja lá qual texto, assinalado Clarice Lispector.
Resposta:
Acho que elas cansaram do Arnaldo Jabor, eu acho que elas cansaram do Arnaldo Jabor, cansaram do Camões, e agora é Clarice Lispector. Eu acho assim, a Clarice ela é existencialista, né? Então, a gente não tem como não se identificar, em algum momento, com os temas que ela traz. E as frases dela, as coisas dela, de alguma forma, fazem sentido nessa profundidade talvez, mas aí as pessoas colocam: ‘Viva a sua vida! ', Clarice Lispector [cara de confusa sobre a real autoria da frase]. Tá.
Pergunta:
Isso é o que eu mais gosto!
Resposta:
Eu acho que seria uma frase improvável dela [risos]. Ela teria perguntado: ‘O que é a sua vida? Qual é o oco que sustenta a sua vida? ' [Risos]. Mas é uma, eu acho que ela te dá um ar cult, assim, um ar mais existencial e tal [25'].
Pergunta:
Porque quando o pessoal vai fazer, assinar Arnaldo Jabor, ainda tenta imitar ali o estilo [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Tenta! Uma crônica. Não, com a Clarice ninguém tem pudor.
Pergunta:
É assim mesmo. ‘Viva bem', Clarice Lispector.
Resposta:
‘Viva bem, viva a sua vida e aprecie'. Eu disse que quando eu escolhi o nome da Clarice, da minha filha, eu falei assim: ‘Eu quero fazer uma homenagem à Clarice Lispector com o nome da minha filha, porque filho é uma coisa que a gente entende profundamente e não sabe nada dele'. E eu acho que era a minha relação com a Clarice Lispector, era uma literatura que eu entendia profundamente, e ao mesmo tempo eu não sabia nada, porque muito, realmente é tão existencialista a história ali, que a gente não conhece.
Pergunta:
Tome literatura ______.
Resposta:
Tome literatura e terapia [risos].
Pergunta:
Mas já que você falou da questão da maternidade, fala um pouquinho dessa fase da sua vida, fazendo um salto aí para esse momento?
Resposta:
Isso, então, eu fui mãe aos 33 anos, então eu já estava, eu entrei na USCS para trabalhar aqui com 21, então eu já tinha trabalhado aqui bastante tempo. Também foi um momento muito importante na minha vida, muito desejado, muito planejado, eu estava casada, na época, com o pai dela, então foi muito, é [pensativa], complementou muito aquilo que eu também gostaria de ter para a minha vida, né? De ter um filho, de ter um casamento, foi uma parte desse sonho de vida que eu realizei na época. E foi assim, a Clarice, é engraçado, porque ela também tem um pouco essa vivência da escola como um local comum, não é uma coisa, assim, santificada, nem um castigo, é uma situação comum. Já aconteceram situações até engraçadas, de eu ter aula, por exemplo, em um sábado, e ela estar comigo e eu não [confusa e pensando], aí logo depois que ela nasceu, quatro anos depois que ela nasceu, eu me separei, então ficava só eu e ela na família, e eu tinha aula aos sábados e ela chegou a assistir uma aula comigo, uma vez, sobre metodologia científica [risos], e ela tinha sete anos de idade. Então, essa convivência também profissional, de estar sempre com professor, estar sempre com (...), outro dia eu encontrei um professor no shopping e a gente tem o hábito aqui na USCS de chamar os professores como Professor, independente do nome, a gente primeiro se refere ao título de professor. E eu: ‘Oi professor! Tudo bem? Como está? 'e tal, e aí eu me despedi da pessoa e a Clarice perguntou assim: ‘Mãe, quantos professores você tem? Porque você sempre está falando: Não, eu vou falar com o professor tal, vou falar com o professor tal, vou falar com o professor tal'. Porque realmente esse, algum comentário em casa, ou alguma situação de trabalho, ela está muito presente. E agora que a gente está no pós-graduação também acontece, de vez em quando, de ela estar comigo e ter esse convívio também, com essa parte acadêmica, de uma maneira muito natural, porque é a vivência profissional, né? Então, não é um ambiente que ela não se sinta à vontade. E é engraçado colocar uma criança para assistir um seminário de metodologia científica, com sete anos, mas [interrupção do entrevistador].
Pergunta:
Agora tem um upgrade, agora está na pós.
Resposta:
Agora está na pós! Não, e foi um seminário de pós-graduação. Mas isso ajuda também, porque ela já sabe, desde pequeninha, que mesmo que ela faça uma pesquisa que não tenha alguma assinatura, uma palavra que ela tenha copiado, uma pesquisa, ela tem que citar a fonte. Então, desde cedo, ela bota lá onde ela pesquisou, ainda não está, ainda não exigi as normas da ABNT, ainda não cheguei lá [risos], mas ela já tem que saber o site, já tem que fazer uma coleta de site que ela tem que, não é o primeiro, tem que olhar, pelo menos, uns três ou quatro, para fazer uma análise, é muito ruim ser filha de gente chata [risos], de escola, rato de escola. Mas é gostoso.
Pergunta:
Debora, vamos falar então, um pouquinho, dessa sua chegada aqui no IMES.
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Você já falou que você ficou sabendo do concurso, veio. Como que foi esse ficar sabendo? Como que foram esses primeiros dias?
Resposta:
Na verdade, foi uma amiga minha que ficou sabendo desse concurso, e ela me indicou, ela falou assim: ‘Você está querendo ir para a área de educação? ', porque ela, a gente trabalhava as duas na área corporativa, assim, na empresa, e ela falou para mim: ‘Você está fazendo o curso de Letras? Tem esse concurso na USCS'. Na época, IMES, o Instituto Municipal. ‘Por que que você não tenta lá? ' [30']. Era também para a vaga de secretária, só que para ser secretária do diretor do IMES, e aí eu falei: ‘Ah, eu vou tentar! ', porque era uma área que realmente eu queria seguir, e ela não, ela falou: ‘Ah, eu não vou, porque eu quero seguir carreira na área financeira! '. E ela, não sei ainda, hoje a gente não tem mais um contato próximo, mas ela continuou na empresa, e eu pedi demissão e vim para o IMES, na época, isso foi, eu entrei aqui, exatamente, no dia 5 de abril de 1995, então já passamos aí a barreira dos 23 anos, começando a trabalhar com o professor Marco Antônio na época, que ele era o diretor do IMES, e tinha como vice-diretor o professor Laércio. E começando justamente nessa fase que o IMES estava começando a criar cursos novos, estava começando uma ampliação, foi um momento de muito trabalho, porque a gente estava em construção do prédio A, aqui que é esse prédio da Goiás, ainda não tinha o prédio D, não tinha o prédio C, era o prédio do centro e o prédio A, aí depois houve todo um trabalho para a gente conseguir fazer a ampliação para o outro lado aqui da Conselheiro Lafayette, com as desapropriações que tiveram na época, que eram um local, assim, de muito convívio social, tinha muito barulho, tinha muita gente, tinha bares muito próximos e tal, e a USCS precisavam criar e precisava também ajudar nesse convívio, diminuir um pouco o barulho, diminuir um pouco a (...), tornar mais universitário, assim, mais harmônico. E foi essa fase que eu comecei aqui, então eu peguei todo esse processo, todos os processos administrativos que envolveram a ampliação da USCS, né? Então, a gente trabalhou muito próximo nisso.
Pergunta:
Debora, qual que era a imagem que você tinha do IMES antes de chegar aqui, quer dizer, quando a sua amiga chegou e falou: ‘Olha, trabalha no IMES! '. O que que veio na sua cabeça?
Resposta:
Era uma referência da região e, eu acho, que ainda é essa grande referência, assim, de uma universidade boa, de um ensino sério, a gente tinha algumas universidades na região que, infelizmente, não vou colocar nomes, mas que perderam essa posição de seriedade, que a USCS mantém, acho que isso foi uma marca que sempre houve, nós não perdemos essa marca da qualidade, do compromisso, da seriedade do trabalho, né? A gente vive isso entre a (...), os trabalhos administrativos, esse compromisso e, eu acho, que isso também é transmitido para fora, de você ter, realmente, uma seriedade naquele trabalho que você está realizando, aquilo não ser só uma situação de ensino e serviço, mas de qualidade mesmo, de compromisso com esse aluno que vai sair daqui, de empregabilidade, acho que isso, desde aquela época, isso a gente está falando de 1994, 1995, já era uma marca que chamava atenção. Então, é por isso que eu também não me senti insegura de tentar esse concurso, eu acho que aqui dentro a gente teve, ainda mais, esse reforço desse trabalho firme, de: ‘Não, se a gente vai ampliar, nós vamos fazer direito. Se a gente vai fazer tal coisa, nós vamos fazer direito'. A gente tem esse compromisso sempre, acho que é cultura até.
Pergunta:
O que que você se recorda desse primeiro contato com a universidade? Então, você veio aqui para fazer inscrição [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Sim, eu vim.
Pergunta:
Como foi saber que você passou?
Resposta:
Ah, foi muito bom, assim, eu fiquei muito contente, né? Eu tinha uma ansiedade de começar logo. Demorou um pouquinho para me chamarem, o concurso sempre tem esses trâmites burocráticos de convocação e tudo, aí depois eu tive uma entrevista pessoal com o professor Marco Antônio, já aprovada no concurso, foi depois, que aí ele me deu as diretrizes do trabalho, o dia que eu ia começar e tudo, e eu vim, né? Eu comecei [risos]. A gente não teve, assim, foi um começo, para mim, como se fosse um trabalho novo, um emprego novo, e essa cultura também, de educacional. Você vem da empresa, você tem objetivos diferentes até, são objetivos muito comerciais, e aqui você tem objetivos institucionais, que é um pouco diferente, não é só a parte comercial que pesa. Então a gente, desde cedo, teve essa vivência já, de mudança de cultura mesmo [35'].
Pergunta:
Como que era o seu cotidiano? E, como que era a sua atuação?
Resposta:
Então, a gente é, eu trabalhava na época tarde-noite, a gente ficava aqui até o final do expediente, até encerrar mesmo as atividades da escola. Trabalhava na direção, na época, trabalhava com a Vivian, que está até hoje conosco. E era um cotidiano assim, muito de (...), eu acho que a gente como estava naquela fase de ampliação, de crescimento, era muito corrido, porque a gente tinha que fazer todas essas, esse suporte da diretoria, nesse sentido de atender demandas de construção de prédio, de criação de curso, de aprovação do curso, dos conselhos que foram criados para que esses cursos pudessem ser concebidos, conselhos de departamento, conselhos de curso, que. E, logo em seguida, ali pelos idos de 2000, 2000 e pouquinho, acho que 2001, 2002, a nossa intenção de nos transformarmos em centro universitário, quando nós conseguimos consolidar as grandes áreas, que foram, nós já tínhamos a área de Negócios, consolidamos a área de Comunicação, e, depois, a área de Direito, aí já tínhamos recursos para consolidar, nos consolidarmos como centro universitário. Então, a gente lidou muito com essa questão de aprovação dos cursos, de diligências de Conselho Estadual de Educação, de todas as exigências de legislação que eram necessárias a produção desses documentos, os projetos, as contratações de professores, todo esse (...), a formação desses núcleos de trabalho, acho, que nós participamos mais intensamente, porque a gente, eu até costumo dizer: ‘A gente trabalha mais até quando o aluno, o trabalho administrativo, ele acontece [confusa e pensativa], tudo tem que acontecer para o aluno estar em sala de aula, com o professor ali, com aquele conteúdo sendo ministrado, para aquela aula acontecer, existiu um trabalho administrativo muito intenso, desde a concepção daquela aula, desde a contratação do professor, desde a compra da cadeira que ele vai sentar, da luz que ele vai fazer, da lousa que vai ter ali na frente, do Datashow, de tudo, eu acho que a gente trabalha muito intensamente para que aquela aula aconteça'. Quando a aula está acontecendo, a gente já está trabalhando para outra situação, porque aquilo ali já está encaminhado, aquele ambiente já está consolidado. Então, eu acho que o nosso trabalho é muito mais esse do bastidor mesmo, de considerar, assim, o que que o aluno precisa, o que que a aula precisa, para que aquilo aconteça, então, são vários elementos que vão se formando ali para tudo poder dar certo, é bem.
Pergunta:
Você participou aí de uma série de transformações da instituição, né?
Resposta:
Foi!
Pergunta:
Você mesmo falou: ‘Olha, eu cheguei aqui tinha lá um prédio' [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Isso, foi.
Pergunta:
Queria que você falasse um pouquinho sobre essas transformações, sobretudo, no que diz respeito ao papel da tecnologia nesse processo, né?
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Quer dizer, alguns procedimentos que você fazia em determinado momento que eram feitos de uma forma e depois foram sendo transformados, por conta da tecnologia.
Resposta:
É, eu acho que a gente é [pensativa], como é que eu posso te falar? A gente acompanhou isso, eu acho é mais até de tecnologia de comunicação, né? De você, por exemplo, parar de precisar enviar para um órgão educacional pastas e pastas e pastas de documento, e passar a transmitir aqueles documentos pela internet, por exemplo. A gente teve aqui a criação de um laboratório de informática que tinha umas máquinas grandes, enormes, que se eu não me engano, não vou me lembrar, mas eu acho que eram da (SAM) ou da Oracle, que eram máquinas superpotentes, que estavam voltadas para os cursos de Computação da época, que a gente tinha também esses laboratórios de AS400, da IBM, tudo, e eles tinham internet, né? [Risos], parece aquele episódio que você aperta o botão, e: ‘Olha, eu vou te apresentar a internet' [40']. Então, a gente começou também a trabalhar muito com essa situação de envio de documentos eletronicamente, eu não estou falando de e-mail não, eu estou falando mesmo de publicações dentro da CAPES, dentro dos órgãos de regulamentação do ensino superior, que já não queriam mais receber pastas e pastas e pastas escritas, queriam esses documentos eletronicamente. Então, acho, que isso foi o que mais impactou diretamente no nosso trabalho, as coisas começaram a ser muito mais virtuais. Hoje, principalmente a pós-graduação, ela é completamente baseada nessa interfase da internet, então, todo o meu sistema educacional, toda parte de material, a gente já não tem mais material impresso para entregar para o aluno, o material já vai diretamente eletrônico, se ele quiser baixar em um tablete, se ele quiser levar para o computador, o celular, que passou a ser o computador, isso é da geração anterior ao celular ainda, aquele de teclinha, não é nem smartphone que a gente está falando. Então, a gente foi se adaptando a essa linguagem, eu acho que não tem como você não se adaptar, até porque você ensina isso, que o aluno tem que estar ali na ponta, que ele tem que estar atualizado, então a gente também não pode ficar para trás, a gente tem que se atualizar. Eu acho que a grande diferença foi essa, de ter os documentos em pastas e as consultas em pastas, em folhas, e passar para uma consulta completamente digital, isso foi esse salto nessa geração.
Pergunta:
Como é ser secretária da direção? Quais são os desafios [risos da entrevistada], qual o lado bom disso, como que é essa experiência?
Resposta:
É, tem o lado bom, que é justamente você ter conhecimento de algumas situações que a comunidade acadêmica ainda não tem acesso, porque você ainda está no planejamento dessas ações, então, que cursos que nós vamos ter, o que que a gente está planejando fazer, algumas situações estratégicas de decisão. E tem o lado ruim também, que é você, de repente, ser visto como a pessoa que não vai estar ali muito (...), vai contar uma fofoca, vai levar uma informação. Eu sempre procurei trabalhar no sentido oposto disso, de não me envolver com essas situações mais corriqueiras, que eu acho que não era o meu papel ali, eu preferia mesmo ter essa relação com o trabalho, não das pessoas, ah, não é porque eu sou secretária do diretor e vi que você chegou atrasado, que eu vou lá no diretor falar: ‘Olha, eu vi que o fulano chegou atrasado'. Eu não vou ser o dedo-duro dessa história, porque eu acho que não era o meu papel ali, o meu papel estava sendo, a expectativa era outra, para mim, ali, não era de ter essa situação, assim: ‘Aí, nossa! A Debora me viu chegar atrasada, e eu agora, eu estou ferrada'. Eu nunca quis trabalhar com isso, até hoje eu evito, porque eu acho que a gente, por mais liberdade que tenha com esse acesso à direção e estar junto com essas gestões, não é o nosso papel fazer isso, eu acho que tem departamentos responsáveis por obrigações, por erros, por outras situações que a gente não precisa levar. Então, eu sempre mantive esse convívio dessa forma, com todos os funcionários, mas não é bem a imagem que os funcionários têm da gente, assim, parece que a gente está trabalhando junto com o chefe, a gente vai fazer, ter uma postura diferente, não, nunca, pelo menos, nunca tive a intenção de fazer isso, não aconteceu.
Pergunta:
Agora eu fiquei tranquilo!
Resposta:
Você ficou tranquilo? [Risos].
Pergunta:
Porque sempre me via chegando atrasado, então, que bom! Agora fiquei mais tranquilo.
Resposta:
Não acho que era o nosso papel.
Pergunta:
E como foi a evolução aí, da sua atuação aqui na universidade? Você ficou esse período [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Sim, eu fiquei, foram 19 anos com a reitoria, hoje é reitoria, mas nós tivemos diretoria, depois nós tivemos uma fase de transição, de mantenedor e mantida, que foi a diretoria do IMES, que era mantenedora da USCS, e depois a unificação, mantenedora e mantida, que se tornou a reitoria e as pró-reitorias.
Pergunta:
Nesse período, você também ficou como secretária do professor Marco Antônio?
Resposta:
Sempre na secretaria da mantenedora [aceno positivo com a cabeça] e, depois, eu passei para a secretaria da universidade, para a secretaria da reitoria da universidade [45']. E aí, surgiu a oportunidade, nessa gestão, de eu ir para a secretaria de pós-graduação, que eu também já estava como aluna, já conhecia a vivência do dia a dia lá, então foi, assim, foi tranquilo, porque eu já conhecia as pessoas, já tinha convívio com, praticamente, todos, isso também é uma vantagem de trabalhar na direção, a gente acaba conhecendo todo mundo, né? A gente acaba não tendo convívio só com aquele departamento que você trabalha, você acaba convivendo com todos, de maneira geral e, às vezes, em um sentido de cobrança também: ‘Olha, eu preciso de tal documento, eu preciso de tal informação, eu preciso de tal resultado', então, a gente acaba conhecendo todo mundo. Agora, estou mais voltada para o pós-graduação mesmo, então, a gente tem uma unidade fora aqui do campus, nós estamos agora na unidade da Manoel Coelho, e o pós, ele acaba tendo um perfil mais, como é que eu posso dizer? Independente da universidade. Porque a gente tem uma formação profissionalizante bem forte, ela tem uma característica profissionalizante, e a gente tem cursos muito específicos, tem situações muito especificas, então a gente acaba ficando mais independente de toda estrutura. Então, eu estou um pouquinho mais distante da parte da graduação, e também, um pouquinho distante do mestrado, a gente ficou no sanduíche ali, em um nível intermediário mesmo. A vivência lá está sendo muito rica, acho que eu tinha uma vivência, eu falo, na diretoria é difícil trabalhar porque a gente só, a gente recebe muito o problema, a coisa que deu certo, que está tudo bem e tal, não vai parar na diretoria, deu tudo, aconteceu tranquilamente, passou! E na diretoria, às vezes, a gente tem que resolver as situações que não conseguiram ser resolvidas no processo todo, então lá é uma responsabilidade muito grande, ali você tem que dar uma decisão, ali você tem que dar uma solução para uma situação, então, você fica em um clima mais tenso ali. Agora, a vivência com a pós me propiciou, até um pouquinho também, na linha de frente ali, do atendimento ao aluno, de receber esse aluno, de conviver com os professores, que é uma coisa que a diretoria acaba perdendo, a gente vai escalonando esse atendimento, e lá na diretoria chega o problema, mas não chega a situação boa, do dia a dia, do convívio, de tudo que deu certo. Então, na pós, a gente está vivendo, eu estou vivendo esse momento agora, esse momento também, às vezes, a situação que a gente precisa resolver, mas esse convívio bom também, né? ‘Olha, gostei do curso, estou aqui porque estou contente', esse outro meio de campo que a gente acaba perdendo lá encima, a gente vem, um pouquinho, para a área de base mesmo.
Pergunta:
Debora, você entrou aqui muito jovem, né?
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Com 21 anos, né? Já são 23 anos.
Resposta:
São.
Pergunta:
Ou seja, você já tem mais tempo [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Mais tempo de vida [risos], do que eu vivi antes da USCS. Exato [concomitância entre as falas].
Pergunta:
Dá para fazer um paralelo entre esse amadurecimento da instituição, essas transformações da instituição, e o seu próprio desenvolvimento, as suas próprias transformações [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Durante esse período de 23 anos.
Resposta:
Eu acho, assim, a gente costuma brincar na USCS que você não adquire só o amadurecimento, você adquire um patrimônio, você vira patrimônio da escola, ganha uma plaquinha de patrimônio, porque os funcionários mais antigos estão aqui há muito tempo. Então, era muito comum encontrar funcionários que já trabalhavam há 20 anos aqui, quando eu entrei, que participaram, desde o início, da fundação, professores muito antigos, que estiveram aqui desde toda a criação da USCS, do crescimento e tudo. Então, esse tempo de duração de trabalho, ele acaba sendo até natural, acaba tendo só uma expectativa: ‘Eu vou ficar na USCS muito tempo, eu não tenho a intenção de me mudar daqui, né? Eu não tenho a vontade daqui ser um trampolim para outro lugar, eu quero permanecer, eu quero continuar trabalhando com essas pessoas' [50']. Então, isso acaba sendo, é, natural, sabe? As pessoas, assim, quando você faz cinco anos de USCS, as pessoas falam: ‘Ih, calma! Você vai chegar nos 15', ‘Ah, calma! Eu já fiz 25, já, já você está nos 30 anos'. Então, é uma coisa que, realmente, a gente vê agora, depois que você faz a conta, você fala: ‘Nossa! Eu trabalhei mais na USCS do que eu vivi antes de entrar na USCS', fala: ‘É, realmente, os 25 anos chegaram, os 20 anos passaram'. Não foi uma coisa planejada, em um bom sentido, mas também era uma expectativa de alcançar, sabe? De também estar aqui, né? A gente vê muitas gerações passarem, eu acho que esse é o grande, o curioso de trabalhar com gente, com ensino é isso, a gente vê as gerações, então, eu já vi geração do aluno trazer o filho para a USCS, de o meu avô, estamos no momento do avô já: ‘Meu avô estudou aqui'. Os professores têm isso muito forte, eles são colegas, mas um já lecionou para o outro, eu já estudei com o filho do professor tal e ele é um professor hoje, então, até pelo tamanho da cidade também, a gente acaba sendo mais conhecido, muita gente mora em São Caetano, trabalha aqui, então, fica muito, assim, a gente acompanha muito a vivência das vidas das pessoas também. E essa vivência de uma geração para outra, a gente acompanhou muito, então, a geração que se formava na época que eu entrei, hoje está formando o filho, já está formando ali a próxima geração, a gente encontra na escola do filho, na escola do sobrinho, o aluno que estudou com a gente, que reconhece a gente: ‘Olha, lembra de mim? Eu estudei na USCS! ', ou quando a gente fala que trabalha: ‘Oh, meu filho estudou lá, meu irmão estudou lá! ', então, é uma vida muito de geração para geração mesmo, né? A gente vê essas diferenças também, das gerações de alunos, vê o crescimento dessas pessoas, a gente fica muito grato de ver uma pessoa hoje, por exemplo, que assume um grande cargo na empresa, ter sido parte de um curso que você ajudou a montar, que você trabalhou para aquele curso acontecer, então você, a gente se sente reconhecido junto também, com o amadurecimento dessas pessoas, com o crescimento profissional, da pessoa seguir na carreira acadêmica, você mesmo, né Lu? A gente ficou muito feliz de você crescer nessa carreira acadêmica [sorriso]. Então, acho que é quase, não é bem uma família, mas é essa vivência familiar, eu acho que ela acompanha, ela atravessa essas gerações, sabe? A USCS fica presente na vida dessas pessoas, de uma forma ou de outras, é muito legal.
Pergunta:
No seu caso, assim, o que você aprendeu, o que você sabe hoje, que você gostaria que alguém tivesse te falado lá no começo.
Resposta:
Ah.
Pergunta:
Ou melhor, recolocando a pergunta [interrupção da entrevistada].
Resposta:
O que eu falaria para alguém?
Pergunta:
Embora a USCS seja uma universidade que está completando 50 anos [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Nós temos cursos muito novos [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Muito novos.
Pergunta:
Temos cursos recentes, Arquitetura, Odontologia, temos funcionários chegando agora.
Resposta:
Sim.
Pergunta:
Professores chegando agora, o que você deixaria de mensagem para essa galera?
Resposta:
Eu deixaria o seguinte, que é o que eu falo para o pessoal que trabalha comigo, eu digo assim, que todos nós somos educadores, todos, desde a pessoa que está no trabalho mais operacional, não importa se ela trabalha em um setor hierarquicamente inferior, ou o professor, eu acho que todos nós que trabalhamos em uma escola somos educadores, e nós somos responsáveis por aquela educação que aquele aluno recebe. E todos nós estamos relacionados a esse momento educacional, então se você é a pessoa que limpa a sala de aula, você está muito ligado aquele bem-estar daquela pessoa que vai receber aquela aula no fim, tanto quanto este professor que vai trabalhar e transmitir esse conhecimento. Eu tento deixar isso muito claro, o jeito que você atende uma pessoa, o jeito que você recebe esse aluno, o jeito que você transmite uma informação, e eu acho que, principalmente, a seriedade desse trabalho, a gente lida com pessoas, a gente lida com experiências de vida aqui [55']. Então, você precisa ter um compromisso com isso, de tornar essa experiência boa para alguém, eu procuro sempre trazer isso para as coisas mais corriqueiras do dia a dia, se você está recebendo uma pessoa no balcão e você tem uma confiança naquilo que você está dizendo, você tem um acolhimento para essa pessoa, ela pode mudar, né? As decisões dessa pessoa, você pode mudar o entendimento da pessoa por aquele momento da vida dela, do curso dela, da escolha que ela fez pela USCS, então, eu costumo achar assim, que nosso trabalho, embora seja administrativo, ele também é educacional. Eu acho que esse elo com a educação a gente não pode perder, porque se você perder, eu, por exemplo, teve momentos, assim, de toca telefone, liga um, liga outro e tal, eu sempre fui muita (...), recebi muita ligação, muita gente procurando diretoria, muita gente demandando as coisas, e sempre aquele respira fundo, sabe? Falar: ‘Bom, essa pessoa não tem culpa de todo resto que aconteceu antes desse momento, e a gente vai procurar atender'. Então, é um trabalho com educação mesmo, sabe? Eu acho que educação de base mesmo, de você estar ali recebendo aquela situação e, não deixa de ser também, um trabalho educativo, algumas situações que acontecem, principalmente, em balcão de atendimento que o aluno chega bravo com alguma coisa, às vezes, ele, na maioria das vezes, ele está errado naquilo que ele quer fazer, e só a sua educação já é uma forma de educá-lo, de dizer: ‘Olha, não é assim que você solicita as coisas, você não tem que tratar a gente assim, deixa eu entender o seu problema, para ajudar a te resolver'. Acho que são, eu acho que esse compromisso com a educação, em qualquer atividade que você exerça aqui, ele é fundamental para você trabalhar em uma escola, eu costumo falar da USCS muito como uma escola: ‘Onde você trabalha? ', ‘Eu trabalho em uma escola'. Eu nunca digo assim: ‘Eu trabalho em uma universidade', quem me pergunta: ‘O que que você faz? ', eu falo: ‘Eu trabalho em uma escola', porque eu acho que essa é a nossa atividade, a gente é uma escola, então a gente volta lá para trás, lá na primeira série, já naquela coisa da disciplina, do escrever certinho, daquela situação, porque é o que a gente vive no dia a dia, você veio para cá, você está em um nível de ensino diferente, você está em um momento de vida profissional, buscando outras coisas diferentes da sua primeira série, mas você está em uma escola, né? Você é aluno [risos], você é professor, você é o funcionário, mas você é o educador disso, então, acho, esse elo a gente não pode perder, nunca.
Pergunta:
O que que a USCS representa na sua vida?
Resposta:
Ish, agora é difícil, hein? A USCS representou muita coisa já na minha vida, eu até me emociono [entrevistada visivelmente emocionada], aí espera um pouquinho. Ah, eu acho que a USCS ela é, é uma história de vida mesmo, né Lu? Eu acho que a gente, ah, vocês fizeram eu chorar [entrevistada limpa os olhos]. A USCS ela é, ela é essa escola de vida também, a gente aprende bastante, todo dia, sempre tem um desafio novo, a gente não pode descartar essa parte mercadológica que a gente vive, a gente tem que se destacar, tem metas para atingir, tem que conquistar o aluno, tem que reter o aluno, tem que captar essa vontade das pessoas estudarem na USCS, né? Que isso mantém a gente também, mantém o emprego, mantém a USCS funcionando. Então, não desistir, sabe? Acho que ela representa muito essa persistência da gente fazer as coisas darem certo, um compromisso mesmo com o trabalho, de não (...), procurar atender o melhor possível. Eu acho que ela representa isso, para mim, ela é a história da minha vida profissional, tudo que eu vivi, profissionalmente, a USCS que me proporcionou e ela está muito ligada à minha vida, assim, como a gente falou tem mais tempo de USCS do que tempo de não USCS, na minha vida [01:00']. E eu vou ultrapassar esse tempo com certeza, eu não pretendo deixar a USCS, então, é uma história de vida mesmo, sabe? Uma história de um dia a dia, às vezes puxado, às vezes enriquecedor, às vezes frustrante, também, por que não? Porque, às vezes, você não atinge aquilo que você gostaria, mas é uma história de muita persistência, de muita vontade de fazer dar certo, vontade daquilo. A USCS é meio, sabe a mãe da gente? Que a gente não admite que ninguém fale nada dela [risos], a gente quer, defende ali, com unhas e dentes, acho que é por aí.
Pergunta:
Quer tomar uma água, quer ____?
Resposta:
Ah, eu quero! Quero uma aguinha [Pausa para água e conversa informal entre ambos].
Pergunta:
A gente já vai chegando aqui ________.
Resposta:
Aí gente, vocês não podem, vocês têm que avisar gente, que vocês vão emocionar.
Pergunta:
Não, é meta! Quando começa uma entrevista se eu não fizer alguém chorar eu não saio daqui contente, entendeu? [Risos da entrevistada]. Então eu vou colocar mais um xzinho aqui.
Resposta:
Agora só faltou aquele ______: ‘O que é a vida? ', [risos].
Pergunta:
Exatamente.
Resposta:
Obrigada! [Depois de receber o copo de água].
Pergunta:
________________ [impossibilidade de escutar, devido aos risos da entrevistada]. Mas é bem por aí mesmo.
Resposta:
É muita história.
Pergunta:
Sabe que esse projeto, obviamente, quando a gente começou a fazer, o que a gente queria mesmo era a questão dos depoimentos, pensar no portal, ter isso para o aniversário. Mas, até (...), é isso que a gente tem levado, a gente tem apresentado ele em alguns congressos, a Ileane foi apresentá-lo até lá no México.
Resposta:
Que legal, que show!
Pergunta:
Qual é o nome da cidade? Em Colima, né?
Operadora de Câmera:
Cidade de Colima.
Pergunta:
E o que a gente levou foi muito isso, que o fato de as pessoas pararem um pouco, porque você não faz essa reflexão todo dia.
Resposta:
Não.
Pergunta:
No dia a dia. Então, a hora que você verbaliza, que você para pra pensar a importância da instituição para você [interrupção da entrevistada].
Resposta:
O que que representa.
Pergunta:
E a sua importância aqui. É a hora que caí, essa ficha acaba, de alguma forma, caindo [interrupção da entrevistada].
Resposta:
É verdade.
Pergunta:
E, a gente viu um resultado muito grande nesse sentido de pertencimento, mesmo.
Resposta:
Eu ouvi, eu ouvi isso da Reni, a Reni me contou que esteve aqui fazendo depoimento também, ela falou assim: ‘Aí no meio eu chorei! Olha que tonta'. Eu falei: ‘Ah, eu não vou chorar', não [em tom irônico].
Pergunta:
São _____ que choram [risos da entrevistada]. Quem vir aqui e não chorou não entra.
Resposta:
Eu chorei bem, na hora do depoimento, do choro, eu chorei bem, né? Estava bem? [Risos].
Pergunta:
Você foi bem ______.
Resposta:
Fiz uma cara muito feia.
Pergunta:
Não, mas a gente não para a conversa se a pessoa não chora.
Resposta:
É verdade [risos].
Pergunta:
Como você já chorou, a gente já pode encerrar daqui a pouquinho.
Resposta:
Mais um take de choro está tudo certo.
Pergunta:
Já, beleza, está tudo certo.
Operadora de Câmera:
Quer mais um pouco de água?
Resposta:
[Gesto negativo com a mão]. Obrigada.
Pergunta:
Mais um pouquinho a gente já encerra.
Resposta:
É, acho que agora foi.
Pergunta:
Eu sei que você também precisa.
Resposta:
Não, mas está tudo bem [interrupção da conversa informal, volta do depoimento].
Pergunta:
Debora, você falou do trabalho do seu pai, então, eu queria contar um pouquinho, nesse momento tão significativo para o ABC, quando você fala que estava envolvida, que na sua casa tinha aquele ______ [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Estava, nossa! Pois é.
Pergunta:
O que que você se recorda ali? De que fatos, de que situações [interrupção da entrevistada].
Resposta:
Então, essa parte do ABC eu recordo muito da vida prática, por exemplo, na década de 1980, aquela onda grande de desemprego, a gente viveu essa onda, né? Das metalúrgicas, todas, demitirem os metalúrgicos do ABC, meu pai sofreu esse desemprego, foi muito difícil uma recolocação, e acabou sendo recolocado, novamente, na termomecânica, meu pai trabalhou 36 anos na termomecânica, a gente fala 23 de USCS, fichinha, meu pai trabalhou 36 na termomecânica. A gente pegou situações, assim, de essa mudança toda do perfil do ABC também, para as metalúrgicas irem embora, também foi um momento muito difícil, porque aí você via colegas perdendo o emprego, colegas tendo que se mudar para o Paraná, colegas tendo que procurar outras atividades, que não aquelas que eles tinham, porque eles não tinham mais como se recolocar no ABC. Então, foi muito difícil, foi muito sofrido, até para o meu pai e para a gente também, depois, porque eu, por exemplo, eu saí dessa área de metalúrgica para vir para a USCS, então foi uma mudança muito radical de área de trabalho, mas as colegas que permaneceram na indústria, elas tiveram que se recolocar no mercado de outras maneiras, porque elas perderam as posições de trabalho. Então, eu acho que a gente teve transformação muito grande para essa área de serviços e tudo, e isso impactou a vida de muita gente, dessa época do meu pai, assim, por exemplo, eu tive (...), esses dias eu estava lembrando [01:05'], que a gente com a greve dos caminhoneiros, a gente teve uma época que não tínhamos carne, eu não sei se vocês, vocês são muito jovens, mas a gente teve uma fase que a gente fazia fila para comprar carne, eu vi a fila dos postos, eu lembrei muito dessa época, porque não tinha, né? Abastecimento, e tudo era muito caro, e a empresa do meu pai, ela mandava um kit para casa que era um sopão, desses de dissolver na água mesmo, para suprir a proteína, porque não tinha, a gente recebia, por semana, um frango, literalmente [risos], um frango inteiro, e eu passei a minha infância comendo frango, porque não tinha carne, não era um produto acessível, e hoje a gente se desespera em qualquer situação de desabastecimento, mas quem viveu a década de 1980, e o início dos anos 1990, viveu isso muito de perto, a gente tinha situações de inflação que se você não fizesse a compra naquele dia, no dia seguinte o dinheiro não ia chegar, você tinha que realmente desabastecer em casa para poder manter aquele mínimo possível que você ganhava, então tinha muito isso, de você levantar cedo, para pegar fila cedo, para conseguir o produto cedo, hoje a gente não vive tanto isso, mas vive por um outro lado também que é você estar com dificuldades financeiras para manter a vida também, embora você tenha o produto acessível ali, você também não tem muito dinheiro para comprar, a gente está em um outro ponto agora, de novo. Eu acho muito triste reviver esses anos 1980 dessa forma, a gente queria viver a parte boa, curtir Legião Urbana para sempre, mas eu vejo muita semelhança o que a gente está vivendo hoje, nessa época da vida, que a gente viveu lá nos anos 1980, essa sombra da ditadura, que quando alguém fala, eu falo: ‘Gente, quem não viveu mesmo esse momento', porque eu tinha 11, 12 anos, é [pensativa], eu sou de 1973, quando em 1985, eu tinha 13 anos, né? E que estava o Tancredo sendo eleito, a Assembleia Constituinte, na época lá de 1988, a gente não estudava essas coisas na escola, era proibido falar disso na escola, escola se baseava lá no império e olhe lá, não avançava muito, e esses tempos a minha filha veio me perguntar sobre a era Collor, né? Então, as pontas da história estão muito mais ligadas hoje, e está muito próximo, e a gente fala de inflação para a minha filha, ela [gesto indicando que a filha não entende sobre o tema], é uma coisa absolutamente abstrata para ela, você não entender essa (...), a dinâmica da inflação daquela época, ter dinheiro de manhã e não ter dinheiro de tarde, para fazer a mesma coisa. Então, infelizmente, eu vejo muita coisa parecida acontecendo hoje, que aconteceu na década de 1980, e é muito triste, principalmente, essa história de você idolatrar a ditadura militar, por exemplo, quem [interrupção do entrevistador].
Pergunta:
A ponto de um grevista pedindo a volta dos ditadores, da Ditadura!
Resposta:
Exatamente, é surreal, assim, para quem viveu isso de perto é surreal, de não poder assistir televisão, de não poder ter transmissão de notícias, e hoje você vê a criançada com o celular, com o Google, com tudo na mão, e a gente está voltando para uma, retrocedendo tanto, né? É triste.
Pergunta:
Você falou de gerações, em algum momento, né?
Resposta:
Aham.
Pergunta:
Dessa questão de gerações. O que você tem ali, da forma com que você foi criada, aqueles valores da criação que você recebeu dos seus pais, que hoje você busca replicar? E o que você, até por ser gerações diferentes, acaba fazendo de uma forma diferente, tentando fazer de uma forma diferente?
Resposta:
Você sabe que eu tenho pensado muito nisso? E, eu acho que hoje, a gente tem uma dificuldade, pelo menos, a minha geração está enfrentando isso, eu fui a última geração analógica, puramente analógica, e que agora está vivendo a era digital. Acho que a última geração que nasceu, cem por cento, analógica foi a minha, depois disso, já começaram a nascer digitais. Então, eu acho que teve essa transição para o digital muito presente, a gente tem que se atualizar bastante, não só tecnologicamente, mas eu acho que uma maneira de pensar digital é diferente de uma maneira de pensar analógica [01:10']. Recursos, é, a gente não tem medo de pegar um parafuso e resolver um problema, a gente não procura uma solução, às vezes, a solução é mais concreta, mais material, porque a gente teve essa vivência concreta e material. Hoje não, hoje eu já vi criança tentando passar a mão em revista, esperando que a revista mudasse a página de forma touch.
Pergunta:
Aumentar a foto!
Resposta:
Aumentar a foto na revista e tal. Então, a gente teve essa vivência, eu acho que isso é uma grande diferença, mas a minha geração, eu acho, que ela tem uma grande dificuldade, que é envelhecer, a gente não consegue envelhecer, sabe? E, as gerações anteriores, elas conseguiam envelhecer, então, você crescia, se desenvolvia, e você ficava velho, hoje você não pode mais ficar velho, então, os 30 são os novos 40, os 40 são os novos 30, os 30 são os novos 30, tudo é novo 30, eu falo: ‘Gente, eu posso ter 50 anos em paz? ', quando eu vou poder ter 50 anos na minha vida? E a gente não pode mais envelhecer, isso também causa uma dificuldade, porque o espelho desse adolescente está sendo esse adulto muito jovem, ou este velho muito jovem, então ele também não tem expectativa de envelhecer, porque ele e o pai estão indo andar de skate juntos, eles têm os mesmos hábitos, eu gosto dos mesmos filmes que a minha filha gosta, eu gosto de mesmas interações sociais que a minha filha gosta, eu gosto do mesmo celular que a minha filha gosta. Então, não tem muito essa passagem de geração, de que eu vou envelhecer, eu vou atingir tal idade, e eu vou ter tal e tal situação, e eu vou finalizar a minha vida, eu vou (...), uma hora vai finalizar, eu vou poder descansar, ficar ali quietinho e viver a minha aposentadoria, por exemplo. Eu acho que a nossa geração perdeu essa chance de viver uma aposentadoria, e parar no tempo, e ficar ali quietinho, e não precisar se atualizar, porque se não a gente perde a comunicação com essas pessoas, então, hoje é impossível eu pensar que eu não vá me comunicar com a minha filha por Whats App, porque é o meio que ela está, eu preciso estar lá. É diferente, porque antes o filho procurava o pai, para obter uma comunicação com esse pai, hoje não, hoje se eu ficar paradinha no meu canto eu perco a comunicação com a minha filha. E, eu acho, que o grande segredo de educar filho, se é que existe algum segredo, alguma coisa, é você manter a comunicação com esse filho, em qualquer tempo, seja ele um recém-nascido ou seja ele um adulto, você ter essa comunicação com o filho, ter uma conversa, e essa conversa tem que ter reciprocidade, então não dá para eu só exigir um método que a minha mãe aplicava comigo e não me atualizar, e esperar que a minha filha corresponda a esse método, porque ela é uma geração cem por cento digital, ela não sabe o que é uma coisa analógica, outro dia ela pegou uma fita de VHS e ela olhava assim para mim [cara de intrigada, feita pela entrevistada], e ela falou: ‘Mãe, como assim? ', eu falei: ‘Não filha, esse é um filme', ‘Mas aonde você colocava isso? ', porque eu já não tinha mais o aparelho de VHS, então ela não sabia em que lado que se abria o filme [interrupção do entrevistador].
Pergunta:
Se já tem na Tv, é só apertar o botão!
Resposta:
É só apertar o botão, e assim, eu amo morar no futuro, amo morar no futuro, porque você tem acesso à programas em streaming, por exemplo, então eu determino a hora que eu quero assistir aquela situação. E, eu fui da geração que cada pessoa